Uma criatura Amarga II
2. O pedido de casamento
Deixei que o pobre homem soubesse meias verdades sobre mim. Meus pais morreram já fazia tempo, três anos antes, o que não foi exatamente uma fatalidade. Mas ele não precisava saber sobre toda a violência e abusos que eu e minha mãe sofremos na mão daquele homem que eu era obrigada a respeitar como pai, um funcionário público, simples escrivão.
Desde então fico na casa de minhas tias, tão coitadas quanto eu. Uma tia é viúva, de família grande, com seis filhos, um menor que o outro, a outra é uma velha solteirona, detestável. Ambas são detestáveis. Não havia escolha, na casa delas permaneci na condição de serva ensinando as crianças e fazendo o serviço doméstico. Não chegava a ser fisicamente maltratada, aquelas coitadas sequer teriam forças para isso, mas era importante que ele pensasse que sim uma vez que sua síndrome de salvador era algo importante em sua personalidade. Ventilei na vizinhança que minhas tias pensavam em vender-me. Tolice! A história chegou no dono da mercearia, um viúvo gordo e horroroso, o que deu mais credibilidade à minha história quando veio pedir minha mão.
Precisei acelerar meus planos e passei a ir com frequência à casa deste homem para supostos anúncios. Ele se sentia superior! No poder! Como é fácil manipular homens tolos. Ter mais dinheiro do que eu lhe colocava em um pedestal, mas a verdade é que a inteligência limitada me colocava três passos a frente. Mas ele não precisava saber.
O pedido de casamento veio na presença de Lukéria. Ele fez um discurso bobo e cansativo sobre seus defeitos e qualidades, o qual sinceramente nem prestei atenção. Performei um certo medo e surpresa, deixei-o falar sobre como cuidaria de me alimentar e vestir dignamente enquanto não havia dinheiro o suficiente para cobrir-me de joias e me levar a bailes. Bom, melhor que o dono da mercearia de todo modo.
Ele se sentia um herói! O próprio Cristo Salvador! Isso me enojava.
Então começou a dizer como ele seria beneficiado, mas não acreditava de verdade nisso. Minha expressão deve ter denunciado meus pensamentos pois não se prolongou nesta linha de pensamento.
Fiquei um tempo fingindo pensar para que ele ficasse ansioso pela resposta. Imaginar que eu preferia o dono da mercearia a ele mexia com seu ego e isso me divertia.
Aceitei. Que o senhor me proteja.
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