Samara
Hoje, escrever sobre mim é quase uma obsessão. Frida Kahlo pintava a si mesma porque era o que conhecia melhor, a forma dela processar a dor. Longe de mim me comparar com a genialidade de Frida, mas talvez a escrita seja o meu equivalente. Eu vomito palavras como se estivesse tentando me curar, mas a maioria do que escrevo jamais verá a luz do dia. Deve ser errado, mas agora tudo precisa ser sobre mim.
E precisa ser assim porque, por muito tempo, não foi. Passei anos me esquecendo, me ignorando, e só agora a ficha está caindo. Uma ficha de três anos atrás, diga-se de passagem: sou só eu por mim mesma. A mulher que está aqui agora, profundamente magoada e deprimida, carrega nas costas uma vida inteira de culpa e ressentimento por não ter sido vista como queria ser.
Sempre tem uma última gota que faz o copo transbordar. Algumas feridas podem parecer bobas para os outros, mas para quem as sente, são devastadoras. E essa última gota me trouxe direto para um bate-papo com a Samara no fundo do poço. E o que mais se pode fazer quando se está aqui embaixo? Cavar mais fundo, claro.
Estou há um mês aqui embaixo, mas luto com Samara desde os 17 anos. Ela não é uma presença constante, mas a luta é. Nunca posso descansar. Não é culpa de ninguém que ela exista; talvez eu tenha nascido com ela ao meu lado. Mas isso não diminui a raiva que sinto pelo mundo ser tão feio e as pessoas tão insensíveis a ponto de fazer da vigilância constante uma necessidade. Então, cavar mais fundo, hoje, é sobre essa raiva.
Sempre ouvi dizer que no fundo do poço há uma mola, mas nunca a encontrei. Será que é isso? Será que a raiva é a mola? Será que todo esse ódio deve me impulsionar para fora daqui? Não me sinto bem com isso. O mundo já é suficientemente feio sem mais uma pessoa vibrando de maneira tão negativa.
E então, me pergunto: é assim que nascem as pessoas insensíveis? Elas emergem do fundo do poço, endurecidas, arrastando outras pessoas aqui para baixo? Talvez seja assim. Talvez seja esse o ciclo interminável de dor e ressentimento que molda as pessoas que, um dia, não vibraram no egoísmo.
Ao que tudo indica não serei eu a quebrar o ciclo.
1 Comment
Oi, Jade!
Escrevi um livro todo tentando entrar em pazes comigo mesma. Alguma coisa se curou. Alguma coisa parece que nunca vai curar.
Não sei bem o que te dizer sobre a quebra do ciclo. O que digo é que nesse rasgar e remendar, a vida continua.
Um beijo,
Fê