Rancor de sí
Ela sempre foi uma daquelas pessoas de sol ariano que não conseguia guardar rancor por muito tempo. Amores não correspondidos também não tinham espaço em sua vida; ela partia sem mágoas e sem dor. No entanto, nunca conseguiu a mesma destreza para ir embora de si mesma. Nunca se perdoava.
Conseguia sim perdoar quem a desumanizava, quem a tratava como uma coisa e passava por cima de seus sentimentos para conseguir o que queria. Ela entendia que era a natureza dessas pessoas e, em algum nível, até invejava o egoísmo delas. Queria ser mais assim, egoísta. Afinal, sabia, sinceramente, que ninguém precisava corresponder aos seus sentimentos. Na maior parte do tempo, nem ela mesma gostava de si.
Então, deixava que usassem o que ela sentia para obter o que queriam: seu corpo, sua atenção, sua disponibilidade… E quando percebia que, apesar de tudo o que já tinha vivido, ainda se deixava enganar, nossa, como se odiava!
Ao longo do tempo, pedaços da confiança no mundo ficaram espalhados por diversos caminhos. Ela se tornou cada vez mais rígida, mais fria, mais feia e menor. E se culpava ainda mais quando permitia que a tratassem como lixo, porque acabava acreditando que era lixo mesmo.
Ela sabia que sua vida não teria nunca um final feliz. Seria apenas o desabafo de alguém que já teve um coração enorme e hoje sentia que ele estava do tamanho de uma ervilha. Não por qualquer motivo romântico, mas simplesmente por acreditar que não tinha valor.
E se olhando no espelho sentia o vazio consumindo qualquer vestígio de auto-estima que ainda pudesse existir. Então sorria e dizia que estava tudo bem porque admitir a verdade era ainda mais doloroso do que viver com ela.
Não importa quantas vezes caia, ela sempre vai levantar. Sempre vai passar. Mas preferia fazer isso sem ter deixado tanto de si por aí.
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