Quem traduza
Os dias funcionam de maneira curiosa quando a gente toma consciência da nossa solidão. O estar só é presença constante que não se vê. Sou mística, acredito que a vida tem um motivo de acontecer da maneira que acontece, o que não torna menos difícil de viver e aceitar.
Pela manhã exercícios que me deixam dolorida durante o resto do dia, café forte e duas tapioquinhas que são feitas carinhosa e especialmente pra mim. Saber que tenho um monte de privilégios é um alívio, mas não deixa de ser prisão. E mesmo quando tem alguém com quem conversar, o que tá aqui dentro não tem como falar. É triste e bagunçado, precisa de tradução.
Eu sou triste. A auto consciência traz tristeza. Perder, mesmo que temporariamente, o que traduz essa tristeza é lembrete que sempre se pode ser mais só do que já é.
Então vou trabalhar. Desde o divórcio que prometi a mim mesma que vida amorosa não seria nunca mais o centro da minha vida, ás vezes a carência me faz fraquejar. Ainda não falhei. Até porque recomeçar a vida material do zero depois dos 30 não é bolinho.
Há uma certa segurança em ter milhões de coisas para fazer. Não da forma que eu quero, não com a remuneração que preciso. Mas o que fazer tem, ocupar a cabeça, não pensar, não ter o que traduzir. Ou ter e esconder bem no fundo. Focar na vida profissional é alívio. É como se cada demanda resolvida tivesse um propósito maior que eu ainda nem sei. Então não fecho essa aba, penso em trabalho da hora que acordo da hora que durmo.
Solidão não é escolha, ela se impõe. Não é algo que se resolve com um match no tinder ou conversando abobrinha com gente legal. Nem sei se dá pra resolver só com a presença dos outros. É uma coisa de conviver com os próprios pensamentos e ter uma maneira de botar pra fora até a coisa mais ridícula. De uns tempos pra cá eu acho que a solidão só tem fim pra quem é livre para se expressar, que tem quem ouça, quem se importe e (pelo menos finja que) entenda.
Encontrar conforto na própria companhia é um grau de evolução que ainda não alcancei. Por mais que aprecie meus momentos sozinha, me faz falta ter quem me traduza.
Trabalhar pra minha geração é uma espécie de redenção, uma via de escape temporária e bem-vinda. Uma maneira de não olhar tanto pra dentro. O capitalismo tardio destruindo meu auto conhecimento.
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