Praga de mãe é forte
Tinha saído cedo para correr, quando estava chegando de volta em casa notei uma senhora sentada em minha calçada. Tinha um olhar meio hipnótico, como se tivesse fora desse mundo. Assim que me aproximei, ela sorriu de forma enigmática e disse: “Praga de mãe é forte, pegou em você”. Nem deu tempo de responder ou perguntar do que ela falava, levantou-se e saiu caminhando lentamente, ainda sorrindo, como se soubesse de algo que eu não sabia.
Não tinha muito o que fazer, deixei ela ir. Até tentei perguntar “como assim?”, mas ela já estava indo, não iria responder. Praga de mãe? Isso não é coincidência. Não acredito em coincidência, e mesmo que acreditasse, isso não é algo que se acontecesse todo dia pra poder ser coincidência. De repente, tudo virou um grande presságio. O passarinho pousado no muro me olhava como quem sabe mais do que revela.
Já ouvi que minha vida é como um episódio de Doctor Who, e estou começando a acreditar nisso. Criei teorias mirabolantes sobre aquela senhora. Talvez ela tivesse saído de Setealém, uma versão mais velha de mim mesma, tentando me avisar do apocalipse iminente. Faz sentido, não é? Aquele sorriso era de quem conhece o futuro! Ela sabia! E eu, aparentemente, começaria o apocalipse. Totalmente lógico.
Ou talvez fosse uma ancestral do meu lado indígena, aparecendo para me alertar dos carmas herdados do lado europeu da família. Fazia sentido também. Eu, pagando pelos pecados do tataravô holandês que tinha matado e estuprado. Claro, alguém tinha que pagar por isso, e por que não eu?
A ansiedade apertava. O familiar nó no estômago, a sensação de estar andando como um zumbi, apenas a carcaça viva, meio morta por dentro. Piloto automático, esperando a próxima pancada. E a solidão. Essa solidão que só quem é uma morta-viva em um mundo de vivos consegue entender.
A verdade é que, depois daquele dia, nada mais deu certo. Não sou de acreditar em pragas, mas está difícil negar. Estou tendo dias ruins, muito ruins. A sensação de que tudo está desmoronando. No fundo, sei que às vezes nem é praga, é só a vida mostrando um novo caminho. Mas quem consegue ver o lado positivo quando está se afogando em uma onda após a outra sozinha em um mar bravo?
Enfrentar meus medos? Fácil. O que é difícil é lidar com as escolhas que já fiz. Cada decisão errada, cada caminho tomado parecem agora presságios de um filme de terror.
Talvez, no fim das contas, seja apenas mais um episódio estranho do meu próprio Doctor Who pessoal. Ou talvez, apenas talvez, seja a vida me forçando a olhar para dentro e enfrentar meus próprios demônios. Ou só o universo me pregando peças.
Mas, honestamente, quem sabe? Ainda estou decidindo se me importo tanto assim.
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